segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Eu, meu sax e minha esposa

Era 1998. Eu acho. Minha memória é uma traidora e tudo o que me resta sempre é um borrão. Mas é certo que era já quase o fim daquele período abençoado em que o câmbio rezava o dólar um por um.

Meu pai viria me visitar e eu liguei para ele com uma proposta indecente: “Pai, eu sempre quis um saxofone. Queria aproveitar o dólar e comprar um. Mas não tenho a grana. Pode comprar para mim e eu te pago em, sei lá, umas três parcelas?”

Para minha surpresa, depois de um “quanto é isso?”, meu pai concordou. Então fomos nós dois naquela lojinha obscura que não era maior que um corredor. Nenhum dos dois entendendo patavina sobre o instrumento. E fomos mal atendidos. Mas saímos de lá com um bom sax alto para estudante, um Yamaha YAS-23.

Comecei aulas. Era um conservatório perto de onde eu morava e o método era aquele do clarinete. Não gostei do ambiente que era um treco meio místico cheio de incenso e não gostei do professor. Procurei por um outro.

Foi neste outro que me convenceram de que a boquilha que veio com o sax era uma porcaria e que eu deveria usar a boquilha isso e aquilo. Havia, parece, um consenso de que o ideal é ter uma boquilha aberta e iniciar com palhetas macias e ir subindo a numeração. É a coisa mais esdrúxula do mundo. Mas na época eu não poderia saber e comprei a instrução.

E foi isto, junto com a falta de local para praticar (eu morava em apartamento e, além de ter vergonha, não queria incomodar os vizinhos), o que mais me dificultou a aprender qualquer coisa. Eu não conseguia soprar, não conseguia achar a embocadura, não conseguia dedilhar, não conseguia ler partitura… especialmente, não conseguia entrar no tempo e, se me concentrava em uma coisa, eu me perdia em todas as outras.

Minhas frustrações correram por cerca de cinco anos por umas quatro escolas diferentes (e, sim, todas com o mesmo método-clarinete e a balela da boquilha).

Neste tempo, desde o início, eu já olhava para aquela que viria a ser minha esposa. Porém, ainda estávamos longe de começar a namorar. Numa visita com os jovens da igreja em sua casa, vi que tinha um professor de sax bem em frente.

Meu futuro sogro ficou devidamente desconfiado, mas, se bem que claro eu gostasse de saber que ela estava ali ao lado, meu interesse era genuinamente em aprender a tocar. Acho que esta foi a terceira escola das quatro frustrantes.

Quando a garotinha Haydée soube que eu estava ali a fazer aulas, comentou comigo que tinha certeza de que dali a alguns anos eu estaria tocando muito bem. E começamos, de forma tácita, a alimentar o desejo de um dia tocarmos juntos, já que ela toca piano.

Os anos passaram e a frustração, para ambos, foi tão grande que o sax acabou por ficar guardado a espera de eu retomar uma coragem que sempre cedia à sensação de impotência e incapacidade.

Há alguns anos eu resolvi tentar de novo. Até gostei do professor, um molecão bastante agradável. Foi com ele a primeira vez que ouvi: “Não! Essas boquilhas não. Comece com esta que veio com o sax. É uma boa boquilha. Mais para frente, quando você estiver com a embocadura acertada e distinguir bem o som que você quer tirar, aí você pensa numa outra boquilha.”

Porém, após as três ou quatro aulas iniciais, quebrei meu tornozelo e fiquei de molho um tempão. E quando me recuperei, após alguma procrastinação, veio a pandemia. Parecia que eu estava fadado a jamais tirar uma nota qualquer do meu sax. Praticamente 23 anos e nada!

No fim de setembro de Ano da Grça de 2021, entretanto, estava eu a pensar se poderia tentar algo diferente para o nosso culto familiar de Natal. Divagava eu: “E se eu pegar o sax, procurar na internet a melodia e tocar, ainda que de forma bastante simplificada, Noite Feliz? E se houver algum curso online que me ajude ao menos a sair do zero? E se eu fizer em paralelo exercícios deste curso e treinasse um cântico natalino para este fim de ano?”

Procurei e encontrei um curso online bastante agradável de fazer e segui suas instruções. Ao mesmo tempo, fui tentando tocar Amazing Grace e Noite Feliz. Também fui experimentando as boquilhas e as palhetas que tinha. Em duas semanas já conseguia tocar alguma coisa com a Yamaha 4C e a Vandoren Java 2.

A frustração começava a se transformar em esperança e empolgação.

Enviei o sax a um luthier para trocar a cortiça que estava ressecada e uma revisão geral, comprei mais palhetas para continuar a testá-las, comecei a pesquisar sobre formas de melhor me gravar tocando (porque me gravar me ajuda a perceber minhas falhas)…

Meus filhos me incentivaram, dizendo às vezes que “nem é tão ruim te ouvir treinar” ou que “nossa, papai, até que está bem bom”. Minha Linda me sorria e sugeria tocarmos juntos, tanto tacitamente pelo olhar quanto explicitamente numa intimação que só as esposas sabem fazer.

Um amigo em particular me incentivava e trocava comigo figurinhas a respeito de música e edição. Outros amigos sabiam se alegrar com os que se alegram com os vídeos que eu tomava coragem de expor nas mídias sociais.

Esperança e empolgação começavam a tomar corpo.

Neste último fim de semana, o penúltimo deste novembro de 2021, chegaram meus últimos equipamentos para edição de áudio. Enquanto minha esposa trabalhava, eu os testava com voz (falando), sax (tocando o que sei) e piano (só fazendo barulho).

Quando ela chegou e me viu a fazer os testes, fez aquela intimação das esposas. Cheio de medo (o tempo e o acompanhamento são ainda a maior dificuldade que tenho), fui cedendo aos poucos. Até porque queria testar o microfone captando piano e sax.

Errei por diversas vezes e a cada erro conferíamos o som e fomos ajeitando a posição do mic. Até que saísse uma gravação aceitável. E saiu!

Não importa que eu tenha entrado atrasado e meu som seja de iniciante, que seja tudo muito básico, que o som tenha saído em mono e a qualidade não seja lá essas coisas, que a imagem da webcam seja o que é…

Toquei o tempo todo olhando para a imagem de nós dois no computador. No fim do vídeo nós trocamos olhares por este “espelho”. Aquele sorriso um tanto encabulado de ambos não é uma desculpa. É um prazer incontido pela realização de um sonho que nasceu quando minha Haydée era apenas uma garotinha. 

E é a expectativa, uma antecipação de que este sonho pode ser realizado mais vezes. E, quiçá, cada vez melhor!

A Deus seja toda a glória e o nosso louvor!

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Meu novo clássico

É sempre o dilema para quem não pode trocar de carro sempre: damos um trato neste ou trocamos por outro? Vontade de cheirinho de carro novo não falta, mas... e o desânimo com os preços absurdos praticados neste país? E ainda temos a prioridade na casa. Bem, ficamos - forçosamente - com o velhinho.

Acontece que o velhinho está com a pintura muito detonada pela exposição ao tempo. Afinal, só recentemente cobrimos uma garagem. Além deste estrago, muitos riscos e não poucos pequenos amassados. Olhar para ele é um desalento, uma tristeza.

Mas aquilo que não tem remédio remediado está. Se vamos ficar com ele, bora começar a dar um trato.

Começamos semana passada, com pintura e eliminar os amassados um pouco maiores. Senhores, só de olhar para meu Voyage G5 todo pretinho, ainda com esta pintura grosseira, precisando do martelinho e do polimento final, bah!, restituiu-me o prazer no meu carro!

A verdade é que sempre gostei deste Voyage G5. Acho muito mais bonito que os das versões posteriores. Vejo sempre aqui na cidade um vermelho bem cuidado que me deixava com inveja. Isso para não falar dos pretos que não estavam com o teto em petição de miséria.

Ora, eu sempre quis um Opalão 75-79, o coupê das lanternas redondinhas. Só que, agora, além do custo normal de restauração e manutenção de um carro velho, temos os custos da aura de carro antigo/clássico. Bem, meu Voyage G5 fará às vezes de carro antigo/clássico.

E já tenho planos.

Peguei ele zero, o Comfortline, a versão topo de linha desta linha básica, mas sem alguns recursos. Ele veio sem o computador de bordo, o botão de abertura de porta malas, o som com controle no volante (multimídia ainda era coisa rara) e sem rodas de liga. Sem contar airbags e ABS, coisa que logo em seguida se tornou obrigatório. Para quem saía de um Uno, porém, era um carro de sonhos!

Alguns destes e outros recursos podem ser incluídos. Isso e mais algum trato no interior, especialmente a troca do estofamento, e ainda uns cuidados com a mecânica e... voilà! Tenho um "clássico moderno"!

Mais relevante que isso, tenho de volta o prazer com o meu carro, incluindo o prazer das metas com os itens a adquirir (pena que não saco o suficiente para um DIY) e gastando muitíssimo menos que com a troca por um novo (ou mais novo).

Após a pintura terminada posto umas fotos aqui. Não terei o "antes e depois" completo, mas já será divertido registrar os avanços.

Ah, a propósito, aquela série sobre a Caverna está para lá de defasada (assim como este blog está parado). Mas como há planos maiores para ela, retomarei os registros quando for conveniente.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Meu texto para o H-D Rider Wanted 2021



A Harley Davidson do Brasil fez este concurso, dizendo:
Procura-se um motociclista para compor a equipe Harley‑Davidson em uma viagem dos sonhos pelo Brasil
E mais:
Acredita que possui o perfil ideal para a viagem?
Inscreva-se e envie um texto de até 10 linhas ou um vídeo de até 2 minutos explicando porque você deveria ser o selecionado para representar a Harley‑Davidson nesta viagem dos sonhos. Você poderá participar de uma viagem pelo Brasil pilotando uma Ultra Limited.
Ora essa, eu não apenas acredito, tenho a mais absoluta certeza que eu sou o cara ideal para isso! Então escrevi meu texto de até dez linhas. Pelos prazos dados, já era, não fui escolhido. Posers esses caras da Harley Davidson do Brasil que fizeram a escolha!

De todo modo, eis meu texto. Tudo muito clichê, mas, ei, a Harley Davidson é toda puro clichê. Apropriadíssimo, pois.
“Por que eu deveria ser escolhido para ser o motociclista nesta viagem dos sonhos da Harley-Davidson?”
Meus sonhos são feitos ao mesmo tempo do prazer da partida e da saudade de casa, de movimento e de permanência. De introspecção e de histórias para contar.
Meus sonhos são feitos das paisagens para se ver, dos cheiros dos caminhos, dos sabores das paradas, do contato com o couro e do som característico de um V2. Dos elementos e de impressões.
Meus sonhos são feitos de estradas e de vento, de explosões entre as pernas e de paz de espírito. Ampliação de limites. Liberdade.
Por que devo ser escolhido o motociclista desta viagem? Porque ela é dos sonhos. E eu vivo os meus sonhos!
Bem, eu curti! Dá até para fazer uma campanha de marketing com o texto. Pena que não me rendeu a viagem.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Destacáveis

Uma coisa que sempre digo e que me parece sempre absolutamente incompreendida é que destacáveis são uma coisa fundamental a qualquer moto, conforme a necessidade do usuário.

Este vídeo curtinho mostra bem o que quero dizer. Pois é óbvio que sissy-bar (ou nada) é melhor, esteticamente, que o baú (realmente não tem jeito de isso ficar bonito, exceto se planejado para tal, como nas tourings - e mesmo assim...).

Mas a questão é: não é irremediável como uma cara feia. É apenas uma roupa horrorosa de trabalho que a gente troca rapidinho.



sábado, 28 de novembro de 2020

Lady Day em uniforme de trabalho


Meu amigos já estão tirando sarro porque a coisa fica feia. É feia, amigos, aquiesço. Mas olha, amigos, eu vi suas curtidas naquela rat bike horrorosa, vi suas curtidas naquelas customizações de gosto para lá de questionável... então menos, amigos, bem menos...

Ademais, o baú (em rack destacável) não é uma cara feia (o que é definitivo) nem uma barriga gorda (que exige um longo regime). É um uniforme de trabalho feio que se troca em cinco segundos. Porque o objetivo primeiro é o uso diário ao trabalho.

A propósito, eu detesto mochila nas costas. Fico incomodado demais. Aí carregava uma aranha para grudar a mochila no sissybar. Só que isso, em determinadas paradas, deixa a mochila vulnerável (ou a gente perde a paciência tirando e colocando arara). Mochila não, pois. Para colocar alforges destacáveis é preciso realocar setas. Eu acho as setas realocadas horríveis, e isso é um negócio definitivo. Alforges destacáveis não, pois. Alforges fixos nem pensar, muito menos aqueles destacáveis que precisam de afastadores fixos. Há algumas malas rígidas que poderiam servir. Mas eu acho todas feias. Feias e caras. Feio e caro não, pois. E há alguns baús mais quadrados e pequenos, como o da RK Police, que amenizariam bastante esse "visual motoboy". Mas são caros pacas. Aí não dá porque meu bolso não permite. Então fui nesse Pro Tork feinho mesmo por 75 conto. É feio, mas é barato. (E ainda penso em revestir de vinil para ficar ainda pouco menos "motoboy".)

Pensava também em viagens longas com esse treco. Mas isso eu ainda não sei. Acabou que ficou numa posição que não me dá apoio lombar (nem longe no rack de sissybar nem perto demais no rack de paralama). Isso, no fim, deixou o visual um pouco menos feio que eu esperava (eu esperava perto demais das costas no rack de paralama), mas faz o uso em viagens ser dificultado (sendo que a principal vantagem permanece a estanqueidade).

Ainda há uma solução que, caso eu decida por não usar o baú para viagens longas, pode ser interessante. Há um pequeno baú de bicicleta, baixo, fino e comprido, que, para uso só na cidade, vai diminuir em muito este "visual motoboy". Só que ele custa uns 200 conto (contra 75, lembrem-se).

Bem, agora é usar, ver qual é, e depois tomar as decisões que restam.