domingo, 22 de dezembro de 2019

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Ricardo Mamedes, in memorian

Conheci o Ricardo Mamedes nos tempos em que este blog tinha um viés de reflexão teológica (e um pouco filosófica também). Discutimos bastante, aprendemos bastante. Concordamos, discordamos. Rimos e brigamos. Acima de tudo, fizemos amizade.

Ao longo do tempo, descobrimos que, além do gosto por aqueles assuntos teológicos, era um gosto comum o amor por motos. Especialmente as Harley-Davidson. Eu acabei adquirindo a Heritage. Ele uma Fat Boy.

Mantivemos contato pelas mídias sociais durante o tempo em que o blog ficou moribundo, sem assunto. Mas como ambos temos um humor um tanto ácido e um tanto incompreensível um ao outro, afastamo-nos nas postagens, sem perder o contato nas mensagens instantâneas. Ele até veio, com a família, visitar minha família.

Foi mais ou menos nessa época que ele nos contou da sua doença autoimune. Algo grave, mas que estava sob controle, ele dizia. O que me assustou, porém, foi ele dizer: "Está tudo bem, mas posso, de repente, sem aviso, morrer."

E continuávamos a conversar sobre motos até que surgiu a idéia e a ocasião de fazermos uma viagem ao Uruguai. Para mim, além da viagem em si, o que me é sempre enorme prazer, seria uma oportunidade de acompanhar o Ricardo numa viagem que seria um sonho realizado tanto para ele como para mim.

A Fat Boy e a Heritage em Diadema/SP, na casa do meu sogro.
Havíamos, antes, nos encontrado em São José dos Campos/SP, onde iniciamos a viagem juntos.
Acabou por ser uma viagem bastante atribulada. Tive problemas elétricos quando subia a SP. Depois que nos encontramos lá, tive problemas com os rolamentos de roda e perdemos um bom tempo no dealer. Ainda, tudo arrumado, quando partíamos, relativamente tarde, desencontramo-nos na descida para Santos.

Parece que era um aviso. Por fim, quando a viagem finalmente seguia, não chegamos ao destino. Paramos em Tubarão/SC num acidente que acabou por dar perda total na minha moto. Isso, por si, daria um bom "causo" a contar. Aqui, porém, digo apenas que foi um baita susto, mas, exceto pela perda total, nada grave.

Após acionar o seguro, levamos as motos de volta a Florianópolis e ficamos por lá um pouco mais, aproveitando praia, cerveja e camarões. Mesmo em meio aos reveses todos, a viagem não deixou de ser divertida.

Depois ele voltou para sua casa e, como minha moto ficou no dealer, eu voltei para a minha de táxi, via seguro.

Ricardo e eu, em Florianópolis, aguardando o rodízio de camarão.
E o tempo seguiu seu curso. Nós tínhamos conversas cada vez mais espaçadas, mas, entre os papos sobre motos e passeios, havia a promessa de nos encontrarmos novamente em minha casa. Infelizmente não houve tempo. Um dia um amigo comum me fala: "Soube do Mamedes? Nosso amigo está com o Senhor, bro."

Um acidente. Desta vez um realmente grave. Justamente com a Fat Boy. A morte sempre nos será dolorosamente triste. Dolorosamente triste, mas jamais maior que a esperança que nos anima. Lamentamos a separação neste tempo na expectativa da reunião que virá. Assim me despedi, à distância, do meu amigo.

Bem, já faz um tempo desde sua passagem.

Então sua esposa entrou em contato comigo um dia destes: "Roberto, logo após o falecimento do Ricardo, eu e minhas filhas separamos algumas coisas para guardar de recordação e o restante doamos para amigos, parentes e pessoas carentes. Resta ainda uma jaqueta de couro H-D. É muito bonita e está nova, pois quase não foi usada. Ele tinha o maior xodó com ela. Eu e minhas filhas conversamos e gostaríamos que ela ficasse com você. Se você quiser, claro. Posso te mandar foto depois. Fique a vontade para recusar."

Como se recusa algo assim? - pensei. E como não ficar grato? Respondi: "Não preciso nem olhar e de forma alguma eu poderia recusar. É uma alegria que vocês tenham pensado em mim e uma honra carregar no corpo uma lembrança do Ricardo, ainda mais de algo que ambos curtimos tanto. Hei de fazer uma viagem com ela, preferencialmente para o Uruguai, em lembrança e homenagem a ele."

A jaqueta chegou agora em dezembro, apropriadamente como que em uma antecipação do Natal. Um presente para mim das amadas de um irmão como lembrança dele.
A jaqueta: frente.
A jaqueta: costas.
Baita! Como não entender perfeitamente o xodó que o Ricardo tinha por ela?
Eu sempre desejei uma jaqueta de couro da H-D. Porque são bonitas, porque são práticas (considerando o uso no motociclismo), porque protegem, porque gosto da marca. Entendo perfeitamente o xodó que o Ricardo tinha por ela. Mas são jaquetas de valor para aquisição relativamente alto e eu sempre priorizei, porque precisei priorizar, outras demandas.

Esta jaqueta, porém, mesmo que não fosse "de couro da H-D", seria impossível recusar. Como se recusa algo assim? - repito. Porque se na hora de comprar o valor monetário importa, uma lembrança dessa, fazendo com que a jaqueta chegue a mim nas circunstâncias como chega... O valor desta jaqueta é inestimável!

Usarei a jaqueta com honra. Deus permitindo, hei de realmente fazer esta viagem ao Uruguai e, vestido com ela, terminar aquela nossa viagem que ficou pela metade. Hei de tirar uma foto em Montevideo em lembrança e homenagem ao Ricardo. 

E então aguardar pela consumação da esperança que nos anima. Reunirmo-nos nas Bodas e além. E quem sabe como será este além, o porvir? Talvez ainda tenhamos H-Ds na nova terra. Viajaremos novamente juntos, sem temor de lágrimas. Para a glória dEle e gozo nosso!
Olhando ao passado: Nosso encontro em São José dos Campos/SP.
Voltando os olhos ao futuro: Até breve, meu irmão!