Era já meio dia. Estava acordado desde antes da alvorada e muito asfalto passou sob as rodas de sua moto. Parou para abastecer, a moto e o próprio corpo.
Como sempre, o frentista pergunta, como se não tivesse a resposta no tanque para o qual olhava e cuidava, com um pano que não evitava o desastre, não derramar gasolina:
- É uma Harley Davidson, né? Quanto vale uma dessa? Deve custar os olhos da cara.
Você responde com um sorriso amarelo e quase mecanicamente:
- É uma Heritage. Uma nova é mesmo cara, mas a minha é bem pagável.
- É mesmo? Quanto?
Tudo o que você não quer é pensar em grana. A viagem é justamente para deixar a rotina de lado por um tanto. E este trecho inicial foi, como sempre, deliciosamente prazenteiro. Então você resume:
- Pagável.
- Que ano?
- 2008.
O frentista termina, você paga e se dirige ao restaurante. A refeição é mais pesada do que o desejável, mas como evitar? Pelo menos foi boa o suficiente. Você só espera que ela não dê muito sono.
Agora começa o inferno dos pedágios e você retira da mala e coloca nos bolsos os saquinhos com as moedas separadas para facilitar a passagem.
Então você finalmente começa a subir a serra. As várias curvas pedem concentração, mas você não evita a viagem da mente enquanto viaja. Andar de moto é isso mesmo. E você fica com uma saudade imensa do seu pai: “ele ia adorar viajar comigo”.
A paisagem passa devagar. Você não tem pressa. Olhar e apreciar é preciso. Ainda mais porque é raro subir essa serra com o céu azul e o sol a ferver o capacete. Então você olha e aprecia com gosto.
O plano era parar acima da serra, pouco mais do que meio do caminho até o destino final. Dormir e tocar no dia seguinte. Mas a viagem rendeu e seu corpo ainda não pede descanso. Então você segue, devagar e sempre, olhando e apreciando.
O caminho segue tortuoso no planalto. Preto de asfalto. Verde, marrom e azul de vegetação, terra e céu. Seu prazer é imenso. Sua atenção constante. Você se mantém viajando e viajando: Deus é bom; sinto já falta da bagunça das crianças e da doce voz dela; aquele conceito de “terra das sombras” é mesmo uma coisa fantástica; como a metafísica faz falta a este mundo; que coisa mais linda; ah, a beleza; já e não ainda, primícias e plenitude, lágrimas e gozo...
Você olha para a direita e vê aquele hotel barato e honesto em que você ficou com a família da última vez que fez este trajeto com ela. Já é tarde, mas você continua, surpreendentemente, bem disposto. O sono do almoço pesado não veio. Louvado seja Ele! Vamos ao destino. Não falta muito.
Quando você finalmente chega ao anel viário, você ainda se espanta porque seu corpo poderia até ir mais longe, e isso não é nada comum. Mesmo assim, você agradece por estar quase onde se propôs estar, e tudo no mesmo dia. Nem mesmo aquela outra serra, sempre tão difícil, fez cansaço. Que viagem esta!
Luzes sem fim. A grande cidade é sempre ameaçadora, mas você a conhece bem. Pelo menos aquela parte dela. E você gosta. Ainda se sente em casa. Você se aproxima da luz que mais te interessa, a casa que vai ser seu lar por uns dias.
Portões, sorrisos e braços se abrem. Vozes familiares o saúdam e perguntam como foi a viagem.
- Bem melhor que o esperado. Acabei fazendo tudo em um dia.
- Quantos quilômetros mesmo?
- 1.100 de porta a porta.
- Puxa! E não está cansado?
- Bem pouco. Até poderia ir mais longe hoje. Mas uma cama, depois deste chão, é sempre bem vinda.
- Então entre, tome um café e um banho. Sua cama já está pronta.
E você louva a Deus porque não só a vida é boa como Ele lhe deu a amar amados que o amam! E dorme feliz!
Muito bom este tipo de texto ! Além de bem escrito, faz realmente vc viajar ! Grande abraço
ResponderExcluirEste texto foi uma espécie de exercício, um arriscar uma breve narrativa.
ExcluirComecei a ler mais e mais variadas literaturas (deixando os livros técnicos das áreas que gosto de lado), o que me deixou com vontade de escrever contos curtos.
Não sei se levarei a intenção a cabo, mas até que gostei do resultado deste exercício.
Além do mais, a viagem que tomei por tema para o texto realmente foi muito boa!
Valeu, bro, grande abraço!